Raul vive: uma aula de arte e verdade em “Eu Sou”, do Globoplay

Por Marcos Brasil

Oito episódios. Um mergulho profundo no inconsciente coletivo do Brasil. A série Raul Seixas: Eu Sou, produção primorosa da O2 Filmes para o Globoplay, não apenas conta uma história. Ela ressuscita um mito com carne, osso e alma. Um feito raro na dramaturgia brasileira – ainda mais quando se trata de alguém tão complexo, contraditório e visceral quanto Raulzito.

Logo de cara, a atuação de Ravel Andrade hipnotiza. Não se trata de uma simples imitação do Maluco Beleza, mas de uma incorporação crua, inteligente e comovente. Andrade transita com maestria entre o Raul sonhador da juventude, o rebelde das gravadoras, o artista em guerra com o mundo e o homem que aos poucos se dilacera por dentro. Seus gestos, sua entonação e, acima de tudo, o olhar em constante fuga da realidade fazem de sua performance um dos grandes momentos do audiovisual brasileiro dos últimos anos.

A série brilha também por suas escolhas narrativas e estéticas. A direção precisa de Paulo e Pedro Morelli encontra a medida perfeita entre delírio psicodélico e realismo histórico. A reconstituição de época é detalhista, mas não engessada. Cada plano respira liberdade criativa, sem jamais perder a conexão com a figura humana que foi Raul.

Destacam-se momentos como a gravação da emblemática “Mosca na Sopa”, conduzida com a tensão e improviso dignos da ocasião. A câmera nos coloca dentro do estúdio, ouvindo Raul confrontar as estruturas da indústria com suas ideias inovadoras. A parceria com Paulo Coelho, vivida com brilho por João Pedro Zappa, também é retratada com autenticidade: uma relação marcada por genialidade, loucura, egos inflados e espiritualidade.

A série não romantiza Raul. Mostra suas falhas, vícios e contradições – o que a torna ainda mais potente. Mas se há um ponto cego doloroso, é a ausência quase completa de Marcelo Nova, figura central na reta final da vida de Raul. Nova foi parceiro do álbum Panela do Diabo, lançado poucos dias antes da morte do artista. Ignorá-lo é omitir um capítulo essencial de redenção artística e simbólica. Trata-se de um apagamento difícil de justificar em uma obra tão preocupada com a verdade.

Ainda assim, Eu Sou é um marco. Uma homenagem feita com coragem, sensibilidade e respeito pela inteligência do espectador. Uma obra que nos lembra que Raul Seixas nunca foi apenas um cantor – foi e é uma ideia em movimento.

O tempo passou, mas ele ainda está entre nós. E graças a essa série, voltou a cantar bem alto: “Eu sou a mosca que pousou em sua sopa…”

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